"Uma vida que não é examinada não merece ser vivida!"
Sócrates

domingo, 27 de março de 2011

A 'sede', a sede da 'sede' e a 'sede' da 'sede'...


Na Sagrada Escritura o termo ‘sede’ designa, especialmente nos Salmos um desejo forte e profundo, uma necessidade sentida. O objeto de tal sede frequentemente é Deus mesmo: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando hei de ir ver a face de Deus?” “De ti tem sede minha alma, anela por ti minha carne, como terra deserta, seca, sem água.” (Sl 42, 3; 63, 2)
A sede é um fato, e, como denota carência, quando se fala em sede de Deus também logo se pensa em realização plena, completude, felicidade...
O Catecismo da Igreja Católica no nº 27 relaciona o desejo (sede) de Deus inscrito no coração do homem com a felicidade que este não cessa de procurar e afirma que só em Deus é que a pode encontrar.
Sendo assim, a sede da sede é o coração do homem, e, em última análise, na bíblia o coração designa a totalidade do homem. Logo, a sede mora no homem, o homem é a morada, a sede da sede. Não há homem que não seja sede desta sede de Deus.
No Evangelho deste 3º domingo da Quaresma nosso Senhor aparece pedindo a Samaritana: “Dá-me de beber” (Jo 4, 7) o que nos remete a outro episódio – o da cruz- onde o Cristo diz: “tenho sede” (Jo 19, 28). Se diz: “Dá-me de beber” é por que tem sede. Sede de quê? Responde-nos Santo Agostinho, citado pelo Catecismo da Igreja Católica no nº 2560: “tem sede de que nós tenhamos sede dele”.
O que Jesus quer, neste episódio com a Samaritana é despertar nela o sentido do verdadeiro objeto de sua sede, o mais profundo, o “único necessário”. (Lc 10, 42) Para conseguir tal objetivo faz o que lemos na perícope enquanto contemplamos o absurdo de ver a Fonte pedindo de beber! A Saciedade tendo sede! Tendo sede de que a sede da sede saiba de que sede é sede... “Se conhecesses... quem é que te diz...” (Jo 4, 10) Se a sede da sede conhecesse que Ele é a Fonte, a sede da saciedade da sua sede... “...tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva!” (Jo 4, 10)
Ele e só Ele pode nos dar água viva. Ele que não tem vasilha com que tirá-la, mas é a Fonte mesma; Ele, cujo amor é mais profundo que o poço. (cf.: Jo 10, 11) “Pedi e recebereis”. (Mt 7, 7)
Contudo, atendamos ao apelo da Fonte sedenta: “Dá-me de beber”. Como? Conheçamos o ‘Dom de Deus’ e ‘quem é que nos diz’. (cf.: Jo 4, 10)
O ‘Dom de Deus’ é o Espírito Santo que nos foi dado (cf.: Rm 5,5) é nele que adoramos o Pai, que somos os adoradores que o Pai deseja – os que o adoram em espírito. (cf.: Jo 4, 23) Aliás, é nele que podemos clamar: “Abbá, Pai”; (cf.: Rm 8, 15) Ele que pairava sobre as águas no princípio...(cf.: Gn 1, 2) “No princípio era o Verbo...” (Jo 1, 1) O Espírito, Dom de Deus, paira sobre as águas vivas que o Verbo feito carne nos oferece...
E ‘quem é que nos diz’? Aquele que nos diz desde o princípio. (Jo 8, 25)
É Deus quem nos diz! Deus que se faz humano e sedento pra saciar nossa sede! Podemos confiar! Podemos nos achegar e pedir como a Samaritana: “Dá-me sempre dessa água...” (Jo 4, 15) Atendamos ao seu convite: “Se alguém tem sede venha a mim e beba.” (Jo 7, 37)
Saciemos a nossa sede da Fonte e nos tornemos então aquedutos como a Samaritana que se pôs a testemunhar: “Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu tenho feito.” (cf.: Jo 4, 29) Sejamos esses canais a indicar aos nossos irmãos a Fonte onde poderão saciar a sua sede. Uma vez saciados, apontemos a Fonte! Lembremos que o Cristo valorizou e prometeu recompensar quem quer que desse a um discípulo seu um copo de água fresca. (cf.: Mt 10, 42) Como não recompensará e valorizará quem tiver dado a um deles o endereço da Fonte de água viva?
“Quem crê em mim, do seu interior manarão rios de água viva.” (Jo 7, 38)
“Acredita-me” (cf.: Jo 4, 21)

domingo, 6 de março de 2011

Quaresma – oração, jejum, esmola e a qualidade das relações interpessoais

Com a quarta-feira de cinzas e sua liturgia penitencial, dá-se início ao tempo litúrgico da quaresma, quando a Igreja veste roxo. Muito se fala neste tempo de suas práticas próprias: oração, jejum e esmola.
Muito já se escreveu e se falou sobre isso, de modo que a maioria de nós, penso, ao menos faz uma pálida idéia do que sejam estas coisas. Não quero aqui me deter tanto na explicação do que sejam estas práticas tanto quanto salientar um aspecto importante que elas iluminam: as nossas relações interpessoais.
Como seres criados à imagem e semelhança de Deus, somos então seres relacionais. Nossa existência é entretecida de relações, aliás, somos fruto de uma relação. O mistério da Trindade Santa se imprime em todos os nossos relacionamentos. A exemplo da Trindade mesma, sempre do encontro entre duas pessoas é gerada uma terceira. Assim no matrimônio onde cada filho é gerado como terceira pessoa; assim nas amizades e demais relações onde o encontro entre um ‘eu’ e um ‘tu’ gera uma terceira pessoa - o ‘nós’.
O pecado se insere nas nossas vidas não de outro modo senão pelas nossas relações que se dão em quatro níveis, perfazendo uma cruz: nos relacionamos na verticalidade e na horizontalidade. Na verticalidade, na ponta de cima da cruz, nos relacionamos com Deus, é a dimensão da espiritualidade, onde somos filhos; na ponta de baixo da cruz, temos a dimensão da subjetividade, onde nos relacionamos conosco mesmos, aí somos pessoas; nos braços da cruz temos a horizontalidade material, onde nos relacionamos com as coisas criadas, com o mundo ao nosso redor. Aí somos administradores; e a horizontalidade interpessoal onde nos relacionamos com o nosso próximo. Aqui somos irmãos e é nesta dimensão que vamos nos deter.
É preciso reconhecer que as dimensões da verticalidade têm precedência sobre as demais, e, da qualidade destas primeiras depende a qualidade das segundas. Logo, para tratarmos a dimensão da interpessoalidade precisaremos abordar a dimensão da espiritualidade também e antes de tudo, já que na dimensão da espiritualidade, assim como nas dimensões da subjetividade e da mesma interpessoalidade nos relacionamos com uma pessoa, trata-se então da forma como o ‘eu’ se relaciona.
E como as práticas quaresmais podem lançar luz na nossa maneira de relacionar-nos?
A primeira prática quaresmal supramencionada, a oração, nos põe em contato com o Criador, que nos criou criadores ao nos criar relacionais. Como ficou dito, aqui somos filhos e precisamos nos dirigir ao Criador-Pai-Deus cheios de confiança. Ele é o Pai perfeito ‘de quem toda paternidade recebe o seu nome’(Ef 3, 15), deve ser ele o modelo de quem na terra quer ser, é ou precisa desempenhar a função de pai; e isso cura e resolve as imagens que nós fazemos de Deus-Pai, geralmente em movimento ascendente, tendo como ponto de partida o nosso pai na terra. Orar, aumenta em nós a consciência de filhos e nos ensina e ajuda a nos relacionar, como filhos que somos, com os nossos pais.
Na oração falamos e ouvimos o totalmente Outro, e como ele não costuma responder com imediatismos e tampouco, nos interrompe enquanto falamos, com Ele aprendemos a ouvir os outros e fugir do fantasma da necessidade de ter respostas prontas pra todas as questões. Como Ele nos ouve sem nos rejeitar e sem preconceitos a respeito da nossa maneira de pensar e conceber as coisas, “Meus pensamentos não são os vossos pensamentos...” (Is, 55, 8), com tolerância infinda, logo aprendemos também nós a nos relacionar melhor com os outros, ser mais tolerantes e a exemplo de Deus, não deixar de amar os outros porque os pensamentos deles não são os nossos pensamentos.
E o que dizer sobre a intimidade? Será ela possível sem a prática da oração? Presumo que será forçoso reconhecer que não. Verdadeira intimidade não se consegue, e não se deveria pretender conseguir sem oração, posto que a oração é já exercício prático de intimidade com aquele que nos  é - digamos com Santo Agostinho -  mais íntimo que nossa mais íntima intimidade. Como poderíamos, os cristãos, pensar a intimidade sem considerar o mistério da Trindade Una, Íntima e Indivisa?  Parafraseemos então São Paulo dizendo que de Deus ‘toda intimidade (verdadeira) recebe o seu nome’(cf.: Ef 3, 15). Sem oração não podemos ser íntimos nem de Deus, nem dos outros e nem de nós mesmos!
Logo, é preciso falar a Deus para garantir a qualidade das nossas relações íntimas.
Precisamos falar a Deus sobre os outros - ou seja, rezar por eles, falar a respeito das suas questões, das suas confidências, do melhor modo de nos posicionar e ajudá-los. Seja bem esclarecido que com Deus podemos fofocar à vontade, falar dos defeitos dos outros, de como esses defeitos nos incomodam, pedir a Deus a força e o método de conviver bem com eles ‘suportando-os nos amor’ (Ef 4, 2; Cl 3, 13), e pedir para eles aquelas qualidades que julgamos que deveriam possuir. Claro, agindo assim, será inevitável que, no mais das vezes, acabemos por identificar que os problemáticos somos nós... posto que estamos falando a Deus, que está mais dentro de nós do que nós mesmos e nos pode mostrar a nossa realidade à medida que nos abrimos à sua graça.
Precisamos falar a Deus com os outros - nos unir aos outros para fazer oração. Exercitar-nos na dimensão interpessoal da nossa horizontalidade é coisa complicada e muitas vezes tratamos muitas coisas com os outros, mas pouquíssimas vezes vamos ao encontro de alguém para que reze conosco. Está aqui um ponto que modifica e determina o modo de viver as relações; e quanto mais tivermos consciência de que com aquela (as) pessoa (as) podemos fazer oração sempre que precisarmos, mais íntima nos será (ão) aquela (as) pessoa (as). Isto não significa tornar as nossas relações assim, meio angelizadas, mas, isto sim, humanizá-las e amadurecê-las a um grau que de outro modo não alcançaríamos. E que isto sirva de critério para determinar a qualidade das nossas relações mais íntimas: eu poderia com confiança e sem receio me aproximar de ‘fulano’ e pedir que rezasse comigo? Não estou dizendo que quem não reza não pode ser nosso amigo, mas que se rezar e rezar por nós como rezamos por ele e rezar conosco será cada vez mais amigo, pois estará buscando conosco o nosso maior bem, Deus - a felicidade mesma!
Assim vivendo a oração chegaremos ao ponto de falar aos outros com Deus, isto é, de não prescindir de Deus nas nossas conversações, de não nos esquecer dEle. De falar como se ‘pronunciássemos palavras de Deus’ (cf.: 1Pd 4, 11). Isto muito vai melhorar as coisas que dizemos, pois que serão dignas de Deus, logo, dignas do ser humano.
A segunda prática é a do jejum. Jejuar é abster-se, geralmente de comida tendo uma finalidade clara diante dos olhos. Trata-se então da renúncia em vista de outro bem e esta renúncia só se justifica se o bem almejado for superior ao bem renunciado. Como se depreende do que ficou dito, as nossas relações interpessoais são marcadas pelo pecado e é indubitavelmente um bem recapitulá-las, recriá-las, santificá-las e em vista deste bem é lícito, louvável e urgente que renunciemos conscientemente certas coisas.
Melhoramos nossas relações interpessoais através da prática do jejum, entre outras, com as seguintes formas:
Jejuar do desejo de respostas imediatas por parte de Deus às nossas questões. Deixemos Deus ser Deus. Afinal, que pressa teria quem é eterno? Deus não chega atrasado! Nós é que costumamos não ver que quando não o vemos chegar e responder é que Ele está já aí e que Ele mesmo é a resposta! Isto nos ajuda a jejuar da mania de ter respostas prontas pra todas as problemáticas que os outros nos apresentam. Por não jejuarmos disso, muitas vezes prejudicamos o outro com conselhos apressados cheios da nossa pretensa sabedoria. Jejuar assim nos ajuda a ser mais dados às perguntas...
Jejuar do julgamento precipitado. Talvez como extensão da mania de ter respostas pra tudo, temos também a prática de julgar apressadamente sobre as disposições dos outros, sobre as suas intenções e, não raro, por sermos geralmente dados à possessividade, julgamos também por nós mesmos, por indução, o que os outros pensam a nosso respeito e o que sentem por nós. Isto é desgraça! Jejuar deste tipo de juízo nos ajuda a ser mais dispostos à misericórdia para com os outros, a deixá-los em liberdade e também não nos tornar escravos deles e do que eles sentem e pensam a nosso respeito: somos como Deus nos fez e estamos como Deus nos vê!
Jejuar da maledicência. Maledicência, dizer o mal. Jejuemos de dizer ao outro aquilo que do outro outro é defeituoso e desagradável. Claro, distingamos que nem tudo o que dizemos do outro a respeito dos seus defeitos é maledicência. A maledicência se caracteriza pela intenção que tenho quando falo de alguém. Quando falo a respeito do fulano e seus defeitos e pecados a intenção que tenho é a de tornar a sua fama ruim? De estragar a relação dele com os demais fazendo-os pensar dele como eu penso? Estas são algumas das faces da maledicência que quando praticada com certo hábito revela-nos algo mais de que jejuar: da tendência de dominar tudo e todos. As coisas não podem ser sempre do modo como queremos que sejam. O outro não é uma extensão de nós mesmos! Não é obrigado a cumprir as nossas expectativas!
Perceba o leitor que todos esses jejuns que temos apresentado perfazem um único jejum: o jejum do nosso egoísmo que é a causa de todas essas desordens das quais temos de jejuar se quisermos nos relacionar bem. Seja-me permitido marcar este jejum com um neologismo: jEUjum!
Que dizer da esmola? Advirtamos que a esmola não deve ser tomada no sentido comum que lhe é dado: uma pequena contribuição dada ocasionalmente de algumas moedas que nem mesmo falta nos fariam... Dar esmola, bem visto e apreciado, é ir ao encontro do outro e das suas legítimas necessidades. Assim vemos que não há como dar esmola sem fazer jEUjum! Sem sair de si mesmo é impossível dar esmola que não humilhe quem a recebe. A prática da esmola ilumina a nossa interrelacionalidade na medida em que a praticamos assim:
Dar relevo às qualidades dos outros – adquirir a prática do elogio sincero (porque bajulação todo mundo percebe que carece de fundamento na realidade), da benedicência, dizer o bem e não só para a pessoa objeto do elogio mas também para os outros, criando assim ambientes de simpatia e menos hostilidade.
Dar importância aos outros e às suas coisas- será que somos nós os que no mundo mais sofremos e precisamos de compreensão, carinho, ajuda, etc.? O novo testamento nos aconselha a ‘considerar os outros mais dignos de estima’(Rm 12, 10) e a cuidar não só das nossas coisas.
Dar promoção ao outro – promovê-lo, ajuda-lo a crescer em liberdade e em todas as virtudes, primeiramente não sendo um empecilho pra ele e depois fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance.
Dar mostras de misericórdia aos outros – é possível quando percebemos e vivenciamos as mostras de misericórdia que Deus, justo e santo tem para conosco. Resulta então que também a verdadeira esmola, aquela que de fato faz bem ao outro, não é possível sem a oração. Dar mostras de misericórdia é perdoar e perdoar é: jejuar da justa vingança e de ver no outro somente a injustiça que ele cometeu conosco; é dar (esmola) ao outro, sempre que possível, uma nova oportunidade; é dar também o outro a si mesmo, uma vez que assim promovemos nele uma visão mais completa e realista da sua própria pessoa que não é onipotente na maldade...
O leitor a esta altura já deve estar percebendo que oração, esmola e jejum também são práticas relacionais, não existem sozinhas, estão em relação umas com as outras e quando nos relacionamos com elas, nos relacionamos bem com o Outro e com os outros!
Resta apenas um apelo: não jejuemos da oração, do jejum e da esmola! Não demos em esmola a nossa responsabilidade de orar, jejuar e dar esmola; e, sobretudo não oremos pedindo que não precisemos jejuar, dar esmolas e orar... Tomemos a sério o fato de que somos responsáveis pela qualidade das nossas relações interpessoais e que praticar o que aqui ficou dito nos leva a um conhecimento mais vasto e seguro de nós mesmos.
Boa e santa quaresma a todos.





Em Cristo,

                                                                                                                                                                                                                  Adriano Morais

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Por que CERTOS AMORES prendem em vez de libertar? Serão AMORES CERTOS?

Há muitos que dizem amar...
E até dizem muitas vezes. Dizem tanto que a gente nem consegue acreditar mais. É como se a pessoa estivesse tentando se convencer de que ama mesmo...!
O fato é que nós, não raro, não amamos o outro, mas a imagem que dele fazemos. Amamos um ‘outro ideal’ que está longe do ‘outro real’, que deveria ser, este sim, objeto do nosso amor. Daí surgem as dificuldades e os conflitos: acontece que o ‘outro real’ não consegue desempenhar o papel do ‘outro ideal’, que como a palavra mesma diz, é idealizado por nós. Acabamos por amar no outro, não mais do que a nós mesmos. Buscamos no outro a satisfação de carências e caprichos vários, que o outro, simplesmente não tem obrigação de satisfazer, e, nem mesmo capacidade para tanto, por que nesse caso, estamos carentes de nós mesmos...
O mandamento diz: “...como a ti mesmo.” (cf.: Mc 12, 31) Então somos o modelo e a medida do amor dado aos outros, ao menos pra início de conversa. Mas passemos a considerar o que seja o amor para que não nos falte um conceito, ou uma imagem.
Amor é dom! É dádiva! É doação de si ao outro. Oferta do que se é! Perguntamo-nos: Como podemos doar-nos se não nos possuímos? Se somos carentes de nós mesmos? Precisamos primeiro nos reaver, ou nunca seremos capazes de amar!
Você já disse que ama alguém? Antes ou depois de dizê-lo, já se perguntou se isso era verdade?
Já se indagou o porquê de estar dirigindo ao outro essas palavras? Já se perguntou se o conhece o suficiente? E se se conhece o suficiente?
Sim, por que precisamos nos analisar do ponto de vista do amor. Perguntar-nos se conhecemos o outro, o objeto do nosso amor, é necessário por que não se ama o que não se conhece; perguntar-nos se nos conhecemos o suficiente é necessário também por esta razão, pois se não se ama o que não se conhece, logo, se não nos conhecemos, vamos amar outra coisa que não nós e precisamente isso é que vamos oferecer aos outros. E também por que só nos conhecendo cada vez mais é que poderemos responder a primeira pergunta ‘...se isso era verdade’, se amamos de fato, ou se nos projetamos no outro.
Quando nos projetamos no outro, quando o idealizamos, é como se o proibíssemos de ser ele mesmo e o obrigássemos a desempenhar o papel que destinamos a ele. Acabamos por fazer compromissos para o outro cumprir! Criamos expectativas, e aqui está um grave problema: o amor verdadeiro não espera retorno, não nutre expectativas, se frustra cada vez menos... por que se espera algo do outro, é que o outro o possa ferir, visto que o outro é detentor de uma humanidade tão imperfeita quanto  a nossa. Por isso também ficou dito que o amor espera tudo. (cf.: 1Cor 13, 7) O verdadeiro amor quer amar! Por isso, liberta! Enquanto não atingimos esta compreensão e nos lançamos na aventura de conhecer-nos, amar-nos e doar-nos amando as pessoas, gratuitamente, não conseguiremos saborear o retorno e as recompensas que o amor dá! Não prendamos os nossos amados: amigos (as), namorados (as), irmãos (as), filhos (as), etc.. Tenhamos a capacidade de nos doar. De dar a vida.
Quando atingirmos essa maturidade de amar, poderemos ser heróicos no amor. Poderemos amar como amou o amante mais perfeito que já passou pela face da terra: Jesus, o Nazareno, o Filho do Carpinteiro. Ele amou-nos e nos ensinou a amar com a mesma maturidade. Neste estágio o mandamento é ‘...como EU vos amei’ (cf.: Jo 15, 12), agora pra finalizar a conversa, ainda que sem esgotar o assunto!



Estas considerações eu as fiz aqui como pontos de provocação para reflexão. Como ficou dito no fim do último parágrafo, estamos longe de esgotar o assunto. Seria preciso um livro para tratar de forma mais satisfatória este tema, e ainda assim estaríamos longe de fazê-lo a contento. Então para não ultrapassar muito os limites usados nos outros artigos que tenho postado, achei por bem não me estender muito, mas peço que nos comentários exponham outras coisas, outros pontos, e então a partir daí farei outros pequenos artigos. Muito grato.
Adriano Morais

terça-feira, 9 de novembro de 2010

De mundo a Mundo

Mudar o mundo...
Primeiro, o mundo que somos!
A guerra que promovemos dentro do mundo que somos (nós) para alcançar a paz é uma guerra travada com a espada do discernimento, que, golpe a golpe nos ajuda a separar o que é digno do ser humano e o que não é. Só os 'violentos', capazes de manejar essa espada nessa guerra alcançam paz, sem porém nenhum sossego, pois o mundo que é está rodeado pelo mundo em que está e agora precisa mudar também este, o que é tarefa de grandes proporções. Considerando o alto grau de dificuldade em mudar o mundo, penso ser interessante e mais acessível que se faça do seguinte um programa educacional: educar-se conhecendo, aceitando e mudando o mundo que se é, para então e simultaneamente educar conhecendo, aceitando e mudando o mundo - se é difícil o mundo inteiro, ao menos o mundo ao redor.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Merecer o Amor de Deus?

Muito se fala e se ouve sobre o amor de Deus. E, no entanto, pouco se entende de fato do que se trata, quando se fala dele.
A gente participa de encontros, ouve palestras, homilias, ou lê um artigo como esse ou um capítulo de um livro e não raro se depara com esse tema sendo tratado.
Não quero aqui deter-me em considerações sobre a natureza divina. Já muito se ouviu dizer que Deus é Amor! (1 Jo 4, 8)
Quero abordar aqui a grande dificuldade que se tem em confiar nesse amor, sendo nós como somos...
A indagação difícil de calar é: “como é que Deus pode me amar se eu sou do jeito que eu sou? Se eu faço tudo o que eu faço? Se eu peco tanto?”
Desde o “Não faça isso! Papai do céu não gosta!” de quando éramos pequeninos, fomos sendo educados para crer num Deus que nos ama se acertamos, mas se não... O que nos leva a tomar distância dele..., a nos esconder tal qual fazíamos quando sabíamos que íamos ser reprovados por nossos pais depois de aprontar alguma!
Penso que a maior dificuldade de nos entregar docilmente a esse amor deriva do fato de termos de Deus uma idéia de Ser mal-humorado que está sempre disposto a reprovar e castigar sempre que não o agradarmos com nossa conduta. Sim, Deus é justo Juiz! Contudo, é pelo mesmo fato de ser a justiça mesma que Ele sabe até das motivações que não conhecemos quando cometemos tais e tais atos. Não é incrível que quando são João fala das faltas que cometemos, ele se refira ao Deus que está pronto a perdoá-las como sendo ‘fiel e JUSTO’? (cf.: 1 Jo 1,9)
Qualquer um esperaria que o versículo mencionasse um Deus que está pronto a perdoar por que é ‘fiel e MISERICORDIOSO’!
Então, assim entendemos que nada é mais justo que a justiça de Deus, que conhece todas as coisas e é maior que o nosso coração quando ele nos condena. (cf.: 1 Jo, 3,20) Quem nos condena é o nosso coração (consciência) e não Deus! O que se diz de condenação divina só ocorre quando o nosso coração nunca nos condenou..., e vivemos como quem nunca precisou de perdão! Aí Deus nos ‘condena’ pelo puro e simples fato de que não pôde nos perdoar... por que NÓS não quisemos ser perdoados.
Não precisamos e nem podemos ter medo deste Deus! Ele é Amor! E é assim que o Amor nos ama: promovendo-nos, não nos condenando!
Agora é momento de mudar a indagação, que, esta sim, não pode calar: “Se Deus me ama tanto e até me ama como sou, por que eu faço tudo o que eu faço? Por que eu peco tanto?
É preciso estar convencidos de que não podemos merecer o amor que Deus nos tem! Mesmo por que, amor merecido não é amor, pois pra ser amor precisa ser gratuito! “Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.” (Rm 5,8)
Amor incondicional! Eu não preciso fazer coisas boas antes, pra só depois ser amado! É justamente e misericordiosamente esse Amor que me faz bom e me ensina a agir bem, claro, imitando-O! Doce e salutar conclusão:
Deus não me ama por que TUDO o que EU FAÇO é bom! Deus me ama por que TUDO o que ELE FAZ É BOM!!! (Gn 1,31)
Logicamente isso não quer dizer que devemos pecar à vontade já que Deus nos ama como somos. Mas, posto que nos ama sem merecermos, agora o que nos resta é ser-lhe gratos eternamente sabendo que nunca vamos conseguir amá-LO como Ele merece! Sim, pois se há uma pessoa que merece ser amada, é Deus!
Dúvidas, questionamentos e sugestões para um eventual próximo artigo, deixe-os aqui nos comentários.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O processo do amadurecimento

Amadurecer é difícil e um exercício que traz no seu bojo a idéia de 'processo'. Maturidade é processual: "Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Quando me tornei adulto, rejeitei o que era próprio de criança." (1Cor 13,11) Assim é o processo. A maturidade chega quando nos tornamos capazes de 'rejeitar' o próprio de criança, ou seja, a incapacidade de rejeitar conscientemente, em coerência com a verdade. Quando crianças, estamos conhecendo tudo o que está ao nosso redor e tudo nos influencia. Nos tornamos maduros quando somos capazes de perceber que se o 'tudo' está ao nosso redor é porque estamos no meio do tudo. Então já nos percebemos, já começamos a nos relacionar conscientemente, a exercer influência no 'tudo' ao redor, de propósito, sabendo que posso influir para o bem ou para o mal - distinção possibilitada pelo conhecimento da verdade. O desafio, nesse estágio, penso eu, é o de concomitantemente ser instruído e instruir-se, ser educado e educar-se. O educando precisa encarar o amadurecimento também como autoformação.
"Esforçai-vos por entrar pela porta estreita. Pois eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão." (Lc 13,24)
O homem que consegue entrar pela porta estreita da humanização é o homem maduro. Pela porta só cabe o homem humanizado, de outro modo não pode entrar por ela. É preciso adaptar-se a estreiteza da porta e isso exige esforço. Penso esse esforço com uma dimensão de docilidade e uma de desenvoltura. Docilidade aqueles que já há mais tempo se esforçam para passar pela porta (os educadores - de direito ou não). E precisamente aqui está o problema dos educadores de 'porta larga'... aqueles 'muitos que tentarão entrar e não conseguirão'... e ainda atrapalharão a muitos que precisam entrar. Desenvoltura no sentido de não se contentar com o grau atingido. "Uma coisa, porém, faço: esquecendo o que fica para trás, lanço-me para o que está à frente." (Fl 3,13) E o que está sempre a frente do educando, do maturando? A plena humanização! A estatura do Homem perfeito. (cf.: Ef 4, 13)
Considero que um dos primeiros exercícios que 'estreitam' o homem no processo de humanização (educativo/maturativo) e o leva a pensar como pessoa, é o esforço por conceber e amar a noção certa de pessoa. Pessoas que não chegaram a essa noção são e não conseguem ser o que são! "...tentarão entrar e não conseguirão."

Educar para a Liberdade

O cerne do processo educativo é a verdade. A base onde se edifica o processo é constituída por inteligência e verdade, que é seu objeto. O homem se torna livre tanto quanto conhece. Se conhece mais, é tanto mais livre. "Conhecereis a verdade e ela vos fará livres." (Jo 8, 32) O educando deve se ocupar da pergunta de Pilatos: "Que é a verdade?" (Jo 18, 38) pois o homem, para ser livre, precisa conhecê-la e testemunhá-la. Testemunhar a verdade é testemunhar a própria liberdade.: "Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade." (Jo 18, 37)
Educar conduzindo, como pensou Aristóteles, implica fazer com que o educando seja protagonista da sua educação, logo, a vontade livre do educando deve corresponder à ação consciente do educador que atentará para o fato de que o método é o caminho, não o ponto de chegada! Tem-se, de fato, adestrado muito em vez de educar. O educando (adestrando) não se torna capaz de pensar, de discernir, de avaliar, de julgar... não descobre verdadeiros valores, uma vez que a vontade só é livre se apetece o bem e só pode apetecê-lo se o conhece como tal só podendo discerni-lo do mal se for iluminada pela verdade que por sua vez só é descoberta paulatinamente no processo educativo. Daí se acharem críticos aqueles que repetem frases feitas e também aqueles que pensam que pensar e ser livre é discordar de tudo e todos, ficando escravos da dúvida. Ora, se etimologicamente ‘educar’ sugere tirar de dentro, esse tipo de processo resulta em fechar o educando em si mesmo impedindo-o até de formular questões cruciais a existência humana. Esse tipo desastroso de processo educativo (adestramento) diminui o homem, que é um não acabar de possibilidades que precisam ser atualizadas para que conquiste a sua liberdade interior, para que seja ele mesmo, pois não nasce pronto.