"Uma vida que não é examinada não merece ser vivida!"
Sócrates

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Os demônios podem fazer milagres verdadeiros?

INTRODUÇÃO

Em toda a Suma Teológica de Tomás de Aquino encontra-se um método claro e harmônico destinado a instruir principiantes segundo o próprio Tomás afirma no prólogo a esta vasta e singular obra de teologia.
Ainda segundo o prólogo supracitado, à altura da composição da Suma Teológica urgia a necessidade de ter material que evitasse inconvenientes no estudo da Sagrada Teologia tais como: o acúmulo de questões e argumentos inúteis; uma exposição que é feita conforme as explicações dos livros ou segundo as questões que surgiam em eventuais discussões e não consoante a ordem da própria disciplina, a saber, a ordem lógica.
Tomás impetrando o auxílio divino propõe-se evitar estes e outros inconvenientes e apresentar a doutrina de forma clara e sucinta, claro, de acordo com o que a matéria permitir, uma vez que há questões complexas e de difícil resolução.
Considerando a importância desta obra, o intuito de seu autor e pretendendo haurir dela um pouco do que nos pode oferecer, no presente trabalho propomo-nos discorrer acerca do 4º artigo da 114ª questão da primeira parte da Suma Teológica que trata sobre se os demônios podem seduzir os homens por meio de milagres verdadeiros.


O MÉTODO

No presente artigo, Tomás apresenta-nos três objeções, o sed contra, a solução e por fim uma resposta a cada objeção. Neste artigo apóia-se na autoridade de Agostinho para firmar seu desenvolvimento.


OS PRINCÍPIOS

Como princípios saltam-me aos olhos três e penso que no mais haja somente considerações importantes, mas que não constituem princípios. Trataremos juntos os dois primeiros em virtude de sua interdependência no texto e o terceiro separadamente:

1. (a) “ALÉM DISSO, os verdadeiros milagres acontecem por uma ação sobre os corpos.” e “Ora, os demônios não podem agir sobre a natureza de um corpo...”
(b) Vejo aqui dois princípios porque apanham os verdadeiros milagres e também os demônios de forma universalmente válida. Assim podem ser aplicados a todo e qualquer milagre que se queira analisar e a todo e a cada demônio sem exceção;
(c) Estes princípios são empregados na segunda objeção para justificar que os demônios não podem fazer verdadeiros milagres. Parece que o raciocínio assim procede:
- os milagres supõem uma ação sobre os corpos;
- os demônios não podem agir sobre a natureza dos corpos;
- logo, os demônios não podem realizar verdadeiros milagres.

2. (a) “ADEMAIS, um argumento não tem valor se vale para os contrários.”
(b) É claramente um princípio, pois fixa uma norma geral para se atestar ou não a validade de um argumento, e isso em qualquer matéria;
(c) Os milagres confirmavam a pregação que os apóstolos faziam. Se por meio de milagres os demônios também seduzem os homens, que força têm então os milagres servindo assim de argumento para induzir ao erro e para conduzir a Deus ao mesmo tempo?
A clareza da exposição dispensa aqui, como nos dois primeiros princípios, um comentário mais longo. Penso que assim ocorre com os princípios. São claros, simples e determinantes exigindo assim compreensão mais do que explanação, aplicação mais do que questionamento, claro, em se tratando de princípios válidos.


A DOUTRINA

Do presente artigo depreende-se uma distinção entre milagres verdadeiros e prodígios enganosos. Como vimos nas objeções, os milagres supõem ação sobre os corpos e vimos também que os demônios não podem agir sobre a natureza de um corpo. E no sed contra vemos Agostinho afirmar que por meio das artes dos magos operam-se milagres semelhantes aos operados pelos servos de Deus. Com isso entendemos que se os demônios fazem milagres, estes são só aparentes, são prodígios enganosos uma vez que os milagres são feitos para além da ordem da natureza.
Observa-se também uma distinção no emprego da palavra milagre. Esta palavra objetivamente designa uma ação realizada para além da ordem da natureza, mas pode ser e é empregada de forma análoga, ou até subjetiva não sem nenhum fundamento. Isso ocorre quando um homem realiza algo dentro de suas capacidades e outro admira o seu feito que para si é impossível pois não possui aquelas capacidades e exclama ser um milagre. Este não vai além da ordem da natureza, mas transcende as suas possibilidades. Neste sentido, os demônios podem fazer milagres e deixar os homens admirados, por realizar coisas que vão além de suas capacidades e de seu conhecimento. Essas obras não têm razão e nem valor de milagres, mas podem ser coisas verdadeiras.
A matéria não obedece às ordens dos anjos, nem dos bons nem dos maus. Mas os demônios podem empregar certos germens presentes nos elementos do mundo para fabricar os efeitos desejados. Tudo o que os demônios podem operar também pode ser operado pelas forças naturais. Quando parece que uma obra extraordinária foi feita pela mão dos demônios, não é verdade, mas só aparência. Eles podem enganar-nos pelo interior, agindo sobre a imaginação ou sobre os sentidos fazendo que veja algo diferente do que realmente é ou pelo exterior envolvendo uma forma corpórea de outra forma corpórea qualquer.


CONCLUSÃO

Ainda que possa parecer uma questão sem grande importância, o fato é que importa muito saber como é a ação dos demônios e quais são os seus domínios. Neste artigo, Tomás oferece-nos apoiado em Agostinho algumas diretrizes básicas para discernir a ação dos espíritos maus de outras manifestações quaisquer e esclarece-nos que os milagres não podem realizar-se por obra de nenhuma criatura, mas somente por Deus mesmo, para quem nada é impossível.

Um comentário: